PRIMEIRO CAPITULO
Clementine olhou novamente através da vitrine enfeitada,
quase espremendo o nariz contra o vidro.
Lá estavam as botas dos seus sonhos. Feitas de camurça, forradas
de pele, na altura das coxas. Permaneceria em São Petersburgo por apenas mais
um dia. Merecia algo para se lembrar da cidade.
Cinco minutos depois, estava de pé no desgastado tapete cor de
framboesa, calçando seu sonho de consumo. Sentiu-se como Cinderela calçando seu
sapatinho de cristal. O problema era fechar a bota acima do joelho. Tinha 1,80m
de altura e pernas longas.
Quase deu um grito de alegria quando o zíper se fechou.
– Podem ir mais alto. Quer tentar? – perguntou a funcionária
ajoelhada diante dela.
Ela falava inglês, nessas lojas de luxo todos falavam.
Clementine levantou um pouco a saia. Estendeu a mão e puxou a
camurça forrada cada vez mais para cima, até que tocasse o interior de sua
coxa. Suas pernas pareciam incrivelmente longas com a saia de couro ajustada
nos quadris. Observando seu reflexo, captou com o canto do olho um movimento
atrás dela no espelho e encontrou o olhar de um homem de pé ao lado da porta.
Ele não estava ociosamente na porta, à espreita. Estava
propositalmente ocupando o espaço. Anunciando sua presença.
E olhava diretamente para ela.
Parecia ser quase 20 cm mais alto que ela e tinha um porte
adequado à altura. Clementine apostaria seu último par de calcinhas de grife
que era tudo músculo.
Era uma visão e tanto. Não se fazem mais homens desse tipo.
Talvez quando os homens russos batalhavam com mosquetes, ou mesmo
antes, quando abatiam animais com clavas. Ah, sim, podia imaginá-lo seminu e
marcado por garras nas costas e no peito. Mordeu o lábio. Podia imaginar de
maneira bem vívida.
Mas, hoje, na era da tecnologia e da libertação das mulheres, não
se precisa mais de homens assim.
Exceto na cama. Uma liberação inesperada de calor atravessou seu
corpo.
Imagina se ele pusesse
as mãos em você.
Imagina se fosse ele
ajustando suas botas.
Seus olhos se voltaram para o espelho, percebendo que o cossaco
não se movera um milímetro. Instintivamente, porém, sabia que ele havia
movimentado alguns músculos porque aquele olhar espelhava seu próprio desejo.
Clementine sentiu o olhar sobre si como uma queimadura lenta,
deslizando até o interior de sua perna exposta. Era tão bom e quase tão
excitante quanto sentir um toque.
Devia se cobrir, mas estava gostando da atenção. Era inofensivo.
Se ele quer olhar, que olhe. Afinal, não poderia de fato tocá-la. Eles eram desconhecidos.
Encontravam-se em um lugar público. Estava segura.
Ela estava gostando.
Abaixou-se, lentamente, dobrando uma aba de pele para revelar a
parte superior da coxa e, em seguida, a outra. Então puxou para baixo o couro
enrolado em seus quadris e alongou a saia, centímetro por centímetro, como
tinha visto muitas modelos fazerem para a câmera, até estar decentemente
coberta.
Fim do show.
Hora de voltar para o ninho de ratos onde estava hospedada e
dormir um pouco. Mas quando olhou para o espelho, o cossaco ainda estava lá.
Ele cruzou os braços, e Clementine notou os músculos contra sua jaqueta.
Seu coração saltou. Ele era a fantasia de qualquer mulher, mas
também um pouco assustador. Parecia claro que a estava esperando.
Um tremor percorreu seu corpo como um choque elétrico, mas ela
conseguiu se mover, escavando na bolsa o valor equivalente ao de suas refeições
do resto da semana para pagar as botas.
– Você tem um admirador – disse a vendedora com um olhar discreto
na direção da porta enquanto guardava seus sapatos usados.
– Provavelmente tem fetiche por sapatos – murmurou Clementine, mas
havia um sorriso em seus lábios.
Respirando fundo, ela se virou e se dirigiu à saída, mas percebeu
que ele não estava lá. Diminuiu o passo por um momento na porta, desapontada.
Saiu para a rua e seguiu para o sul. Foi quando o viu encostado em
uma limusine, polegares nos bolsos, olhando para ela. Clementine perdeu o
fôlego, sua pulsação disparando.
Tudo bem, Clementine. De
jeito nenhum você vai lá se apresentar. Ela não queria se envolver com aquele tipo de gente novamente. A
indústria em que trabalhava estava repleta de mulheres que se aproveitaram da
aparência para alcançar certo estilo de vida. Ela não era uma delas e não
passaria a ser agora.
SERGE SE ateve ao balanço dos quadris dela
conforme se afastava, exibindo aquelas coxas sensacionais através da meia-calça
transparente. Sabia o que estava segurando as meias: uma delicada cinta-liga
azul.
Ele saíra da joalheria, onde deixara as abotoaduras do casamento
do seu pai para o conserto, e cruzara o átrio Art Nouveau que ligava várias
lojas do edifício quando a viu através da entrada da loja.
Uma jovem com uma saia de couro levantada ao redor dos quadris,
tão confortável no meio da loja como se estivesse em seu boudoir. Ele tinha visto duas tiras de carne
pálida antes que o topo de suas meias rendadas as cobrissem.
Quando ela começou a puxar as botas para cima, ele sentiu um
desejo irradiando através de seu corpo como um relâmpago.
Se tivesse parado por ali, ele poderia ter se afastado dali, mas
de repente ela levantou uma perna e ele teve um vislumbre do interior de sua
coxa... A curva suave e carnuda no topo da perna de uma mulher, destacada pelo
fecho das meias.
Isso, garota... Um pouco
mais alto... Muito bem.
Como se ouvindo seus pensamentos, ela levantou a cabeça e
encontrou seu olhar no espelho. Ela congelou. Esperou por sua reação e foi
recompensado com um pequeno sorriso. Então ela se inclinou, expondo o topo das
coxas. Para ele.
Tudo havia sido para ele. Ela sabia que ele a estava olhando.
Tornando tudo incrivelmente sexy.
Quando a saia deslizou para baixo, soube que ficaria pensando não
apenas naquele ponto no topo da coxa esquerda, mas também em seu sorriso pelo
resto do dia.
Observou enquanto ela desviava a atenção para a vendedora. Lá não
era Amsterdã. Ela não estava disponível e não fazia seu tipo. O visual de
prostituta nunca lhe interessou.
Partiu, mas, enquanto entregava sua bolsa para o motorista, ficou
protelando do lado do carro, esperando para vê-la surgir. Curioso, interessado.
Ela saiu do edifício naquelas botas ridículas, como uma pin-up dos
anos 1950 ganhando vida. Cabelo castanho-dourado brilhante, ombros estreitos,
seios fartos e quadris curvilíneos. Suas pernas eram longas, fortes e
bem-torneadas.
O realista dentro dele disse que deveria deixá-la ir. Ele tinha
lugares para ir e poderia encontrar outra mulher para aquecer sua cama.
Então ela se moveu e ele se esqueceu de todos os planos que tinha
para o resto do dia. Ela iria embora em poucos minutos, perdida na multidão de
fim de tarde.
Como que sentindo sua indecisão, ela escolheu esse momento para
virar a cabeça sobre o ombro e lhe dar um sorriso que Mona Lisa teria invejado.
Sutil, mas estava lá. Venha me pegar.
Então ela se foi com um farfalhar de seu longo cabelo.
Serge se impulsionou para longe do carro e com uma instrução
brusca para o motorista segui-lo, saiu atrás dela.
CLEMENTINE NÃO pôde evitar. Tinha lançado um último
olhar sobre o ombro e quando viu que ele ainda olhava para ela, sorriu.
Aparentemente, isso foi suficiente, porque agora ele estava vindo atrás dela.
Instintivamente, ela acelerou o passo, seu corpo inteiro tenso de
ansiedade.
Quando ela verificou novamente ele ainda estava lá, mais alto que
qualquer outra pessoa, um homem magnificamente lindo, com cabelo castanho caindo
rebelde sobre as têmporas, enrolando na base do largo pescoço.
Não deveria encorajá-lo dessa maneira. Devia virar e confrontá-lo
nessa rua lotada. Mas não o fez. Diminuiu o passo, colocou um pouco mais de
balanço nos quadris e continuou andando.
Verificou novamente. Ele a acompanhava, mas estava se aproximando.
Sentiu-se relativamente segura.
SERGE DIMINUIU seu ritmo momentaneamente e observou-a
cruzar o tráfego esquizofrênico, ganhando alguns assobios e gritos de
motoristas, provavelmente por causa daquelas pernas longas, não por qualquer
infração de trânsito.
Ela possuía uma energia em seu corpo que se traduzia no caminhar
mais sexy que já tinha visto em uma mulher. E o que chamou sua atenção foi o
fato de que ela parecia totalmente alheia ao caos que causava ao redor.
Ele não queria perdê-la.
CLEMENTINE
ARRISCOU outro olhar sobre
o ombro, mas não conseguiu vê-lo. O desapontamento com a realidade prosaica
voltava a cada passo. Fim do jogo. Droga.
Mais à frente estava à passagem subterrânea. Ela odiava aqueles
túneis sujos, nunca se sentia completamente segura, mas era a única rota que
conhecia. Sem a distração de sua ridícula fantasia sexual, as preocupações do
dia começaram a povoar sua mente.
SERGE CONTINUOU na calçada e observou enquanto ela
começava a descer o túnel sozinha. Viu o perigo se formando em torno dela e no
mesmo momento, sem pensar duas vezes, começou a correr.
Bozhe, esta mulher
se arriscava. Ela sabia que ele estava em sua cola e agora dois homens estavam
de olho na bolsa balançando em seus quadris pródigos e ela simplesmente
continuava andando, perdida em seu próprio mundo.
Ela não devia sair por
conta própria. O pensamento cruzou sua mente antes do mais selvagem Derrube-os! Se intrometer e ele pulou para a
passagem subterrânea, visando o homem que já estava a ponto de puxar a alça da
bolsa.
Ele agarrou o assaltante pelo cangote e empurrou-o para longe.
Era gratificante usar seu corpo para alguma coisa além de sentar
em um avião e um carro. Ele era atlético por causa da prática de boxe e
corrida, mas lutar estava em seu sangue e ele não tinha uma briga há muitos
anos.
Não que estivesse sendo um grande desafio. O primeiro assaltante
lançou um soco que ele bloqueou.
Em vez de agir inteligentemente e dar o fora do caminho, viu a
mulher lançar um ataque contra a nuca do agressor mais próximo com sua bolsa.
Ela o distraiu e o primeiro cara acertou um golpe de sorte,
esfolando seu rosto. Serge o golpeou de volta e em seguida concentrou a atenção
no segundo bandido, que se moveu rápido, pegando a bolsa que ela agitava como
se fosse um porrete.
Pelo menos ela não era estúpida. Soltou a bolsa e o homem começou
a correr. O que estava no chão se pôs de pé e partiu cambaleante, deixando
Serge flexionando os dedos e só com Clementine.
– Você o deixou ir!
Ela estava lá naquela saia curta, olhando de maneira indignada.
Para ele.
Serge deu de ombros, esfregando o queixo. Não queria explicar que
a segurança dela estava em primeiro lugar em sua mente. Em vez disso optou pelo
óbvio.
– Você está bem?
– Eles levaram minha bolsa! – a lamentou.
Estrangeira. Britânica? Sua voz tinha um tom baixo, ligeiramente
rouco.
– Você tem sorte que tenham levado somente isso – respondeu ele em
inglês. – Essas passagens subterrâneas não são seguras. Se lesse o seu guia, moya krasavitsa,
saberia disso.
Ela olhou para ele com olhos cinza-claros cheios de reprovação.
– Então a culpa é minha?
Ela mantinha as mãos nos quadris agora, esticando a blusa de cetim
branco pelos seios, tencionando os botões. Bozhe, uma renda preta brotava sob o branco.
Esta menina parecia incapaz de se manter vestida. Ela era um estímulo ambulante
à libido masculina. O que esperava que fosse acontecer com ela andando por aí
vestida desse jeito?
Estranhamente, ele queria arrancar o casaco e envolvê-la com ele,
o que arruinaria sua visão.
De perto, ela não era exatamente o que ele esperava.
Era melhor, mais feminina, e quanto mais a olhava, mais outras
coisas começaram a saltar para além do óbvio. Era mais jovem do que ele
imaginava, mais próxima de 20 do que 30. Era toda aquela maquiagem. Ela não
precisava. Sua pele era macia como um pêssego maduro.
Ela xingou criativamente, empurrando a franja para fora da testa.
– O que vou fazer? – perguntou ela, ferozmente.
Ele tinha a resposta para isso, mas esperaria que ela sugerisse.
Mãos ainda firmemente nos quadris, ela caminhou alguns passos em
outra direção, em seguida, virou-se e olhou-o adequadamente pela primeira vez.
Parte da agitação havia sumido. Tinha espessos cílios castanho-claros, olhos
claros e acinzentados e nariz salpicado de sardas.
Era realmente adorável.
– Sinto muito – disse ela com sinceridade. – Fui muito rude com
você. Obrigada por assustá-los. Foi muito gentil de sua parte.
Ele não esperava aquilo. Deu de ombros. Não precisava ficar
sentimental por salvar uma menina no centro de São Petersburgo. Teve apenas que
olhar ligeiramente para ela para se lembrar de que não era flor que se
cheirasse.
– De onde você vem os homens não cuidam das mulheres, kisa?
– Imagino que sim. – Ela deu de ombros estranhamente, em seguida,
mais um daqueles pequenos sorrisos. – Mas obrigada novamente.
Com isso, ela partiu, os saltos finos das botas estalando nas
pedras. Estendeu os braços rigidamente, como se estivesse se equilibrando, um
gesto que lembrou-lhe que ela experimentara uma situação desagradável.
Não podia acreditar que ela estava indo embora.
Droga.
– Espere.
Ela olhou por cima do ombro.
– Posso lhe dar uma carona para algum lugar?
Ela hesitou, olhou para ele com aqueles olhos de coelha.
– Não, acho que não. Mas obrigada.
E continuou andando.
Clique, clique, clique.
Autor: Lucy Ellis