Serge levou um café e seu celular para fora. Aquele
era seu santuário... Um jardim verde, mantido de maneira primorosa por pessoas
contratadas.
Ter as pessoas em sua vida em uma folha
de pagamento tornava tudo muito mais fácil. Não envolvia emoções.
Seu comportamento na noite anterior
tinha sido o oposto. Difícil, complicado e muito emocional.
O sexo tinha sido incrível. A única
coisa que poderia ter sido melhor era não usar um preservativo. E o fato de ele
considerar aquilo, colocava freios em qualquer plano futuro que tivesse com
aquela garota.
Ele nunca deixara de usar um
preservativo. Nunca.
No entanto, não estava pensando na
noite passada. Foi motivado por seus sentimentos e fizera o melhor sexo de sua
vida. Ele mostrara pouca sutileza, apenas uma necessidade de dominá-la, de
deixar sua marca.
Aquilo balançou os dois e teve
repercussão. Estaria cego se não visse o quão sonhadora ela estava naquela
manhã. Ele a ouviu cantando no chuveiro. Droga, inclusive ele cantarolava para
si mesmo até perceber o que estava fazendo.
Vê-la na noite anterior (sua
fragilidade e independência, sua audácia e a incapacidade dele de impedir que
ela fizesse exatamente o que quisesse) havia liberado algo primitivo nele.
Ele sabia que estava lá. Sua avó tinha
lhe contado histórias sobre a paixão lendária de seu pai por sua mãe, seu ciúme
raivoso, a teatralidade de seu casamento. Ele não se lembrava daquilo tudo...
Somente de um pai cujo humor mudava em velocidade assustadora. Lembrava-se
daquilo... E de uma mãe que tinha sido frágil e etérea e parecia presa em uma
peça de teatro, sem saber suas falas. Ela possuía apenas 18 anos quando ele
nasceu e não muito mais velha do que ele era agora quando morreu.
Não queria esse tipo de paixão em sua
vida. Não queria ficar fora de controle.
Clementine desceu as escadas usando
tênis e calça. Não tinha nem arrumado o cabelo pela manhã, apenas deixou com
sua ondulação natural. Batom e rímel foram suas únicas concessões para fazer um
esforço. Pela primeira vez desde que tinha 15 anos, não sentia que precisava.
Sentia-se bonita. Serge a fazia se sentir bonita. Sentia-se tão poderosa...
Antes de adormecer, decidira largar o
“esta é a sua vida e esta é a minha” e dar-lhes uma chance. Serge demonstrou o
quanto ela significava para ele. Ninguém se comportava daquela maneira sem ser
movido por emoções fortes.
O fato de ele não estar na cama quando
ela voltou do banheiro durante a manhã tinha sido o único alerta em seu radar. Ela queria saltar em
cima dele e fazê-lo provar mais uma vez que não havia sonhado na noite passada.
Ela planejava levá-lo ao mercado essa
manhã e não podia acreditar no quão ansiosa estava. Era a sua atividade
favorita nas manhãs de sábado. Encher os armários, almoçar fora com amigos,
talvez ver um filme à tarde. Era o tipo de coisas que se fazia com um namorado.
Clementine o encontrou ao telefone.
Chamou a sua atenção, mas ele desviou o olhar e continuou a conversa. Ela foi
até a cozinha para pegar as ecobags.
Quando ela se virou, percebeu que Serge
bloqueava a porta da cozinha. Seu cabelo estava bagunçado e ele precisava fazer
a barba.
Seus hormônios estavam pulando e ela
não podia tirar o sorriso do rosto.
Ele sequer sorriu.
– Vou à academia de Mick. Volto às 12h.
Parecia tão distante...
– Às 13h uma equipe virá aqui.
Naquele momento, enquanto segurava as
sacolas na cintura, percebeu o quão apegada estava àquele homem.
– Pode organizar o dia para você,
Clementine.
Então agora ela sabia seu lugar.
Doía. Doía tanto que ela não poderia
suportar olhá-lo. Parte dela queria gritar com ele. É real
demais para você, Serge? Mas
olhando para ele parado ali, emanando poder e autocontrole e um nível de
sucesso que não podia sequer imaginar, sentiu-se de repente terrivelmente
comum, com seus sacos de lona em uma manhã estúpida no mercado, e estava feliz
por não ter tido a chance de abrir a boca.
Ele a queria fora do caminho. Assim,
não seria lembrado de como tinha se perdido em seu corpo na noite anterior.
Serge não confiava nela o suficiente
para entender que ela iria protegê-lo. Ela não seria leviana com seus
sentimentos.
– Eu vou ao mercado – disse ela,
fazendo um gesto com as sacolas. – Pensei que você gostaria de vir.
Mas agora sei que não.
– Você sabe que eu tenho um empregado
para essas coisas.
Estava na ponta da língua dizer “E eu sei
que há mulheres que dormiriam com você por dinheiro”, mas seu
orgulho era muito forte. Ele podia vê-la como outra de suas muitas comodidades,
mas ela estava ali porque o amava.
Ela o amava.
No meio daquela grande cozinha, Clementine
percebeu que certamente ele partiria seu coração.
Ela era apenas sexo para ele e começou
a desmoronar por isso.
Ele tirou sua carteira e começou a
puxar notas.
Por um momento, horrorizada, ela não
pôde se mover, e, em seguida, as palavras saíram como se arrancadas de suas
tripas.
– Eu posso pagar por um saco de maçãs,
Serge – disse se virando.
Ela pulou quando ele segurou seus
quadris, empurrando o dinheiro em seu bolso de trás.
– Compre algo legal para você.
Na verdade, ele acariciou suas costas.
Ele tinha que saber o que estava
fazendo. O quanto a estava machucando. Se ela tivesse coragem, iria embora para
sempre, mas não tinha. Ainda não. Não depois da noite anterior.
Serge não estava compartilhando nada
naquela manhã, exceto sua carteira aberta.
Ardia.
AINDA DOÍA enquanto
carregava as sacolas pelos degraus. As caixas de compras seriam entregues, mas
ela carregara algumas iguarias: queijos e um vinho francês, um chá chinês e
aqueles horríveis arenques em conserva que Serge gostava.
Quando se aproximou da cozinha, pôde
ouvir vozes masculinas. Ela deixou as sacolas no banco e vagou curiosamente,
mas com cautela, para a sala de estar. Serge estava de pé. Cerca de uma dúzia
de homens estavam ao redor.
A atmosfera vibrava com a tensão e
Serge não parecia feliz. Sua autopiedade evaporou.
Como uma avalanche, o foco da sala se
voltou para ela, o mesmo interesse masculino que recebia desde que tinha 15
anos.
Serge olhou para cima. O olhar em seu
rosto dizia tudo e seu coração afundou. Ela deu um passo para trás, em seguida,
manteve sua posição. Treze pares de olhos masculinos, todos dirigidos a ela.
Serge se moveu para o lado dela,
apresentando-a rapidamente e levando-a até a porta.
– Temos muito a discutir, Clementine.
Pode demorar um pouco.
Seu tom de voz dizia claramente desapareça.
– É justo. – Sentindo-se excluída, mas
sabendo que não era pessoal, ela voltou para a cozinha e colocou alguns pratos
com bruschetta, azeitonas, queijos, abrindo uma garrafa de vinho.
Teve uma ideia de que era sobre as
conseqüências do desastre de Kolcek e parecia se tratar de dinheiro.
Um homem corpulento, com tatuagens em
ambos os braços, entrou na cozinha.
Atrás dele estava Liam O’LOUGHLIN, o
cara das promoções com quem tinha falado na noite anterior. Ela já sabia que
não gostava dele.
Em seguida, outros dois homens entraram
na cozinha e de repente ela estava de pé, cercada por cinco homens grandes,
todos, por suas expressões, claramente carentes de companhia feminina.
– Isso é uma convenção ou algo assim? –
perguntou ela, inteligentemente, para esconder seu desconforto sutil.
– Alex Khardovsky... Presidente da
Marinov Corporation. Serge e eu somos velhos amigos.
O corpulento rapaz se aproximou e
apertou sua mão.
– Ouvi muito sobre você, Clementine.
O sorriso de Clementine não vacilou,
mas não podia evitar sentir um frio na barriga pela ideia de que Serge falara
sobre ela.
– Você domesticou Serge Marinov – disse
Liam O’LOUGHLIN, bajulador. – Muitas mulheres tentaram sem sucesso.
Clementine não respondeu. Ela odiava
esse tipo de asneiras e realmente não gostava de caras que não conseguiam
manter seus olhos para si mesmos.
– Ouvi que você trabalhou com relações
públicas para Verado, Clementine – interrompeu Alex.
– Isso. Muitos tacos de golfe e
charutos.
Os homens riram. Clementine empurrou um
copo de vinho para Alex e abasteceu mais alguns. Não se incomodou com Liam
O’LOUGHLIN.
– Então, vocês estão todos aqui por
causa desse lutador que está sofrendo acusações de agressão, certo?
– Ele não vai embora – respondeu um
cara loiro com cabelo curto.
Clementine se dirigiu a Alex.
– Seu problema é gerenciar as
conseqüências daquele grande julgamento, certo? Você teve problemas há alguns
anos com a imprensa sobre algumas das atividades extracurriculares de seus
lutadores e agora está sofrendo as conseqüências. – Ela empurrou os pratos de
comida para os outros homens. – Parece-me que o que você precisa é de uma boa
publicidade, mostrando o que é bom no esporte e tirando a ênfase desse lixo
machista. Dê destaque ao atletismo. Faça alguns desses lutadores aparecerem em
eventos de caridade... E não sozinhos. Você quer esposas e filhos também.
Ela olhou para cima e viu Serge
encostado no batente da porta.
– Continue – disse Alex, sorrindo. –
Estou anotando.
– Sim, bem... Você precisa ter mais
mulheres na sua linha de frente. Muitos caras famosos, mas desacompanhados.
Perpetua o problema que você tem com Kolcek... Rapazes jovens, testosterona
demais, dinheiro demais, desrespeitando mulheres.
– Então você está dizendo que as lutas
não são atraentes para a família? – disse Liam com desdém.
– O que eu estou dizendo é que você tem
um problema com uma imagem de bandido e, se quer que isso mude, deixe a
teatralidade no ringue e pense em projetar a realidade do negócio, que é de
atletas profissionais envolvidos em combates de alto nível.
– Você não consideraria vir trabalhar
para nós, Clementine?
– Alex... – Olhou para Serge sobre o
aro do copo. – Pensei que você nunca perguntaria.
Serge tinha assistido nervoso aos
caras, um após o outro seguindo Clementine até a cozinha.
Era uma postura machista. Clementine
podia cuidar de si. Mas disse a si mesmo que apenas verificaria... Faria o
mesmo com qualquer outra mulher que estivesse com ele.
Lá estava ela, mão no quadril, dizendo
a Alex exatamente o que precisava para comandar sua máquina de publicidade.
O que ele esperava? Que ela de repente
ficasse tímida e desempenhasse o papel de sua namorada? Lembrou-se de que não
queria isso. Queria a mulher sexy sem amarras. Bem... Estava conseguindo.
Provocativa. Acostumada à atenção
masculina.
– Espezinhando minha arma secreta,
Aleksander? – Serge não tirou os olhos dela enquanto falava.
Alex sorriu e todos os caras se
agitaram. Liam O’LOUGHLIN já estava saindo de fininho pela outra porta.
Sim, recue. Serge não
podia acreditar em como estava possessivo.
– Ela deveria ter se sentado lá,
cortando nosso trabalho pela metade – respondeu Alex, parecendo realmente
impressionado.
– Só estou oferecendo algumas sugestões
– disse Clementine, docemente.
Alex pegou a bebida.
– Há uma oferta de emprego. Pense
nisso, Clementine.
Ela olhou para Serge com cautela quando
estavam sozinhos, mas ele apenas disse:
– Mantendo-me em alerta, kisa?
– Não sei o que você quer dizer.
– Sim, você sabe.
Ela ficou tensa.
– Qual é o problema, Serge? Surpreso
que eu tenha um cérebro?
– Estou bem ciente de sua inteligência, kisa.
É como você manobra as pessoas, suas habilidades inteiramente femininas, a que
estou me referindo.
– Você nunca se queixou antes – disse
ela, rigidamente.
– Eram dirigidas a mim. Entendo que
seja uma garota simpática, kisa, mas não gosto que você esbanje.
De repente, a casca dura se foi e tudo
o que ele podia ver era o extremo choque em seu rosto e a confusão em seus
olhos.
– Tudo bem. Que seja. – Ela empurrou os
pratos para ele, com as mãos visivelmente começando a tremer.
– Aqui... Fiz para os seus convidados.
Devem entregar as compras por volta das 16h.
Ela derrubou uma garrafa de vidro em
sua pressa para fugir dele.
– Comprei esses arenques horríveis para
você...
Por alguns momentos Serge não se moveu.
Não sabia o que estava acontecendo entre eles. Não entendia por que vê-la
rodeada por outros homens o deixava com tanto ciúme. Ele nem sequer entendia
por que a deixou durante a manhã.
Os arenques também chamaram sua
atenção. Ela estava fazendo compras para ele?
Então notou pela primeira vez o tremor
em seu corpo, sua recusa em olhar para ele. Serge pegou o braço dela.
– Clementine.
Ela se virou e, por um momento, Serge
pensou que ela ia bater nele, mas ela apenas puxou a próprio braço.
– Não se preocupe Serge – disse ela,
bruscamente. – Eu não vou aparecer mais. Sei qual é o meu lugar.
Ela correu da cozinha antes que ele
pudesse detê-la. Não rápido o bastante para que ele não visse o brilho de
lágrimas em seus olhos.
Sim, ele era realmente um príncipe.
Finalmente tinha feito Clementine chorar.
AUTOR: LUCY
ELLIS
ESCRITO: FARUK
ISSUFO