TERCEIRO CAPITULO
Clementine permaneceu no seu buraco de rato miserável o suficiente para tirar as botas e
colocar um jeans, então partiu para o Grand Hotel Europe.
– Você vai o quê?
Luke deslizou os óculos até a ponta do
nariz depois de ouvir a história.
Que os óculos fossem apenas enfeite
tornou o gesto ainda mais simpático. Eles se conheciam desde a adolescência,
quando foram vizinhos. Encontrar-se com ele novamente em um pub em Londres fora
acidental.
Sem Luke, Clementine duvidava que teria
durado mais do que alguns meses em Londres naquele primeiro ano. Ele conseguiu
para ela o trabalho com a agência Ward.
Clementine se sentou na ponta da cama
dele.
Como chefe de relações públicas na
filmagem da Verado, Luke tinha um quarto inteiro no Grand Hotel Europe.
– É só um jantar, Luke.
– Não, viu você em uma loja de sapatos
e seguiu você até o Nevsky...
– E me salvou.
– Salvou você... Certo. – Luke era todo
cinismo. – Um cara roubou sua bolsa.
– Dois... Dois tipos bem nojentos. E
então ele simplesmente resolveu tudo. Levou-me em sua limusine.
– Apenas garanta que seja só isso.
Jantar.
Clementine soprou ar acima de sua
franja.
– Sim, mamãe.
Luke sentou-se ao lado dela.
– Querida, esse não é o cara.
– Que cara?
– Que você está procurando.
– Eu não...
– Ei, Clem, lembre-se com quem está
falando. Eu estava lá no ano passado, lembra? Para catar os pedaços. Esse cara
é rico, certo? Impressionante? Soa familiar. Você é o tipo dele, querida, mas
ele não é seu.
Não, ela não acreditaria. Não deixaria
que uma única má experiência alterasse o curso de sua vida. Mas com o lembrete
de Luke a realidade começou a alcançá-la.
– Não sei o que vai acontecer, mas
realmente quero descobrir. – Podia sentir seu rosto esquentando.
Luke balançou a cabeça.
– Eu vou dar o número do meu celular
para você, tudo bem? Pode me ligar a qualquer hora. Aonde quer que ele leve
você, arranje o endereço, e se ele quiser levá-la a qualquer lugar fora da
cidade, diga não... Entendeu?
– Ele não é um assassino.
– Provavelmente não, mas ele sabe que
você é uma turista. Eu não posso acreditar que deixou que ele ficasse olhando
para você em público. Essas suas pernas deviam ter seguro.
– Não são tão boas.
Clementine beliscou uma das coxas.
– São sensacionais, princesa. Agora,
escute o tio Luke... E a proteção?
Clementine piscou.
– Caramba, Clem, eu sei que você não
sai há um tempo, mas nada mudou meu amor.
– Nunca confie no cara – entoou
Clementine, querendo saber o que Luke diria se soubesse que ela nunca tinha
feito sexo casual na vida.
– Boa menina... Mas você não vai dormir
com ele, não é?
Clementine deu de ombros,
despreocupada, e Luke jogou a cabeça para trás e riu.
– Adoraria ser uma mosca na parede
quando esse cara perceber que vai para casa sozinho.
– Talvez ele só queira me conhecer melhor.
– Continue pensando assim, querida, e
verá um boi passar voando, minha pequena puritana.
PURITANA. DIFICILMENTE.
Ela namorou. Só não nos últimos 12
meses. Mas, principalmente, ela trabalhava. Trabalhava desde os 17 anos,
mantendo-se com qualquer tipo de trabalho braçal, estudando à noite. Não
sobrava muito tempo para relacionamentos. Mesmo amizades. Tinha um monte de
conhecidos, mas apenas alguns amigos verdadeiros. Ela sabia a diferença, assim
como sabia que o encontro com Serge Marinov era um pouco de diversão para
comemorar o final de seu contrato com a Verado.
O que a lembrou... Pegou os
preservativos e jogou sobre o criado-mudo.
Ela só fazia sexo em relacionamentos,
independentemente do que Luke pensasse.
Dadas as circunstâncias de seu
encontro, ela deixou de lado a pilha de saias curtas e blusas apertadas e tirou
o vestido de cetim verde pálido, que embalara para saídas à noite com seus
colegas de trabalho.
O corpete plissado cobria seus seios
modestamente e prendia-se em torno do pescoço, deixando seus ombros expostos.
Ela prendeu o cabelo em um coque,
destacou a boca com batom rosa e então calçou sandálias douradas.
Da janela, viu um carro esporte,
prateado e rebaixado, entrar no pátio. Tinha que ser ele. Não queria que
subisse novamente. Era muito íntimo, deixando-a com certo desconforto.
Quando chegou ao pé da escada, viu
Serge caminhando em sua direção. Registrou o momento em que ele a viu, e que
tinha, literalmente, ficado paralisado.
– Oi – disse ela, um pouco sem fôlego.
Ele usava calças sob medida, a camisa
aberta na garganta era cara, e a jaqueta escura gritava dinheiro. Ele não
tirava os olhos de Clementine e não havia nada de amigável no olhar que lhe
lançava. Por um momento tudo o que ela viu foi um lampejo de quase selvageria
naqueles belos traços tártaros, enquanto Serge cobria a distância entre eles em
alguns passos.
Clementine puxou a bolsa até a cintura,
dobrou os cotovelos em uma pose clássica e esperou por ele.
– Você está deslumbrante.
Sua voz profunda guardava o mesmo
apreço que ela via em seus olhos e, por um momento vertiginoso, pensou que ele
poderia se inclinar para beijá-la. Mas ele simplesmente a pegou pelo cotovelo
para guiá-la.
Ele irradiava força e confiança. O que
havia naquele homem que deixava seu sangue vibrando pelo corpo? Estava tudo
errado, porque isto não poderia ser nada mais que um jantar.
ERA MUITO mais
que jantar. Se pudesse, a levaria direto para casa.
Ele não podia deixar de admirar sua
habilidade de deslizar para dentro de um carro rebaixado. Ela transformava o
ato em arte. Como quase tudo. Percebeu que ela provavelmente tinha muita
prática. Mulheres como essa exigiam carros de alto desempenho... Vinha junto
com o corpo que tinha a oferecer e Clementine era uma peça estrategicamente
projetada de fêmea.
E Serge a tinha exatamente onde queria.
Em menos de um minuto, ele estava ao
lado dela, colocando o carro em marcha, verificando discretamente seu corpo.
– Pronta?
– Como nunca.
Ela estava nervosa? Um pouco
entusiasmado por esse pensamento, ele deixou o motor pulsar, e ela pulou.
– Faça de novo – a encorajou.
Sorrindo com seu divertimento, ele
voltou para a estrada com a experiência que tinha construído com esse carro,
consciente de que estava se exibindo. Ele fez uma nota mental. Ela gostou do
carro. Ela gostava de surpresas.
Clementine abriu a boca e liberou um
pouco daquele belo sotaque.
– Então, onde estamos indo?
– Há um lugar no Neva que acho que você
vai gostar.
Ele não queria tirar os olhos dela.
– Este carro é incrível – comentou-a.
– Você gosta de carros rápidos, kisa?
Ela deu de ombros.
– Gosto de velocidade.
– Não posso andar muito rápido no
centro da cidade. Por que você não relaxa e desfruta do passeio?
– Farei isso.
Ela inclinou seu corpo para que uma
perna ficasse escondida atrás da outra, exibindo a longa e bem-modelada linha
do seu corpo, do ombro ao peito e, em seguida, a curva do quadril e das pernas
longas até o fecho de suas sandálias.
Clementine estava lhe olhando, e ele
podia sentir seu olhar curioso. Serge quase rosnou quando ela disse:
– Eu gosto do couro vermelho. Parece
caro.
Eles encontraram uma retenção no
trânsito e, em vez de procurar uma maneira de sair dela, ele se inclinou para
trás e seguiu o comprimento de seu braço fino, a curva de seu peito, ergueu os
olhos para o sorriso em seus lábios. Seus olhos brilhavam de malícia.
Tudo indicava que ela era experiente em
ser provocante, mas o sorriso e o olhar deduravam o quanto estava se
divertindo.
– Você gosta de coisas caras, kisa?
– Eu realmente gosto que você seja rico
– respondeu ela, piscando os cílios postiços para ele escandalosamente.
– E eu realmente gosto de uma mulher
que aprecia couro. Gostei da sua saia esta tarde.
– Fica bom sobre a minha pele. – Suas
bochechas estavam começando a ficar coradas.
Ele teve que perguntar.
– O que mais você gosta na sua pele?
Ela riu.
– Calor.
– Bom saber. Vou garantir que você não
passe frio esta noite.
– Vai me emprestar o seu casaco? – Seus
olhos estavam cintilando. Seu sorriso tinha florescido. – Que cavalheiro.
Ele a olhou, então olhou novamente...
Como se quisesse verificar se o que tinha visto pela primeira vez não fora
alterado e, em seguida, seus olhos ficaram especulativos. Especulação
masculina.
Clementine se recostou um pouco mais no
assento. Talvez fosse hora de conter o flerte.
Concentrou-se no lado de fora, dizendo
a si mesma que poderia lidar com esse cara. Ele lhe fez algumas perguntas sobre
sua estada em São Petersburgo, e a atmosfera do carro se amenizou.
Sentindo-se um pouco mais confiante,
ela correu secretamente o olhar por ele. Do cabelo curto rebelde até o rosto,
que revelava uma ascendência do sul da Rússia, a sensual saliência da boca, as
linhas limpas e sólidas da mandíbula, o grande corpo bruto que fazia suas
bochechas arderem. Era uma visão de levar mulheres à loucura.
Ele olhou para ela novamente, e seus
olhos lhe disseram que sabia exatamente o que ela estava fazendo.
– Gostei da sua jaqueta – disse ela,
sinceramente.
Ele sorriu, formando vincos atraentes
ao redor de sua boca que o faziam parecer mais jovem, mais relaxado, como se
estivesse gostando da companhia. Ele entendeu a piada. Serge se comportaria
bem. Decidiu, então, que podia relaxar.
O tráfego diminuiu quando passaram pela
ponte. Uma de suas mãos descansava no volante, a outra, passava marchas,
enquanto manobrava o carro desviando de obstáculos. Atravessou, por fim, a
cidade com uma habilidade que a hipnotizou.
Outras imagens começaram a povoar sua
cabeça e foi difícil censurá-las. A maneira como ele tinha investido contra
aqueles homens... Toda aquela agressão e ossos quebrando... O jeito como ele
havia apanhado por ela e assustado aqueles caras. Ele fizera isso porque por
baixo de toda a polidez e cortesia que mostrara a ela, era um cara grande,
forte e violento... E aquilo não fazia todas as suas partes femininas
formigarem? Simplesmente não faziam mais homens como aquele.
– Você ficou quieta – disse ele.
– Estava admirando a vista.
Era hora de puxar as cortinas sobre a
paquera. Ela estava se divertindo muito, como antigamente, antes de ela
aprender como sua provocação poderia ser mal interpretada.
– Eu estava pensando como é claro.
– As noites brancas estão quase
chegando. Não há nada como elas.
– É uma pena que eu não vá estar aqui
para vê-las. Mas parece lindo agora. A luz parece abrandar tudo.
Ele olhou para ela.
– Eu também acho.
ELE TINHA escolhido
um lugar não convencional... Pequeno, acolhedor. Havia uma chance de Clementine
não gostar. Ele levou algumas mulheres ali antes, observou-as tropeçar na
cozinha tradicional russa, ouviu enquanto repudiavam o entorno exótico. Mas só
estava na cidade por algumas noites e amava o lugar. Era familiar e barulhento
e depois das 20h havia ciganos.
Nessa noite, o local não importava. Era
apenas um meio para um fim. Ela estava com ele porque gostava de dinheiro; fora
muito honesta quanto a isso com todos os seus pequenos comentários.
Correspondentemente, seus sentimentos sobre essa garota eram sujos e básicos.
Ele tinha o que ela queria e ela definitivamente tinha o que ele estava procurando.
Clementine inclinou a cabeça para trás
enquanto ele a escoltava até o interior, observando o teto baixo de vigas. Ela
esquadrinhou o local, já lotado com clientes. A decoração era simples, mesas
redondas, piso de madeira, murais nas paredes de cenas históricas da Rússia. Ela
sorriu.
– Isso é incrível. Você é
surpreendente. Eu esperava uma adega.
O prazer em seu rosto o pegou
desprevenido. Homens viravam as cabeças quando eles caminharam entre as mesas e
ele sentiu um pingo de possessividade não familiar.
Clementine parecia ignorar aquilo
enquanto o proprietário do restaurante, Igor Kaminski, os levava até a mesa.
Isso o lembrou de sua perseguição a ela no Nevsky e ele reconheceu que, apesar
de encurralá-la para um jantar, nada havia mudado. Ela ainda estava um passo à
frente, evasiva como sempre, e ele estava gostando.
Ela soltou uma exclamação de prazer
quando eles chegaram à mesa e ele observou Igor contar a ela uma breve história
do restaurante. Igor ficou lá com um grande sorriso em seu rosto largo e feio,
observando-a. Eu deveria bater nele ou fazer o pedido? Perguntou-se Serge, não
inteiramente brincando. Ele quebrou o feitiço perguntando o que Clementine
gostaria de beber.
Ela lhe deu um daqueles sorrisos doces.
– Vou deixar isso com você.
Ele pediu vinho georgiano, e Igor
voltou com os cardápios, ladeado por três homens que Serge sabia serem seus
filhos. Clementine estava gostando, então ele se sentou e deixou que as
provocações se desenrolassem enquanto zakouski era
servido e os homens encorajavam Clementine a provar cogumelos em conserva
mergulhados em creme de leite, diferentes variedades de caviar, ikra fresco do Cáspio, sevruga salgado. Ela empurrou tudo com vinho,
e Serge observou-a tentando entender o inglês enrolado e dando a todos igual
atenção.
A mesa estava lotada e o restaurante,
barulhento. Não era o que ele tinha planejado para a noite. Comida, álcool, um
pouco de conversa e Clementine ofegando seu nome por algumas horas agradáveis
era o plano.
Então Clementine se inclinou para ele e
disse:
– Quando começa nosso encontro?
Serge acenou para Igor, embora mantendo
os olhos nela, e murmurou algo para o proprietário. Ele imediatamente deixou-os
sozinhos.
– Todo mundo é tão amigável –
confidenciou-a sobre a borda do copo. – Eles certamente conhecem você.
– Eu acho kisa,
que você foi quem os manteve aqui.
– Não seja bobo – disse ela,
provocando-o com os olhos, enquanto mexia na sopa.
As pequenas velas vermelhas nas bacias
de vidro sobre a mesa lançavam um brilho irresistível sobre ela. A pele exposta
levemente bronzeada que podia ver tinha o tom pálido do mel, estendendo-se da
curva dos ombros pelo comprimento delgado dos braços até aquelas mãos de dedos
longos e as pulseiras de ouro que tilintavam em seus pulsos.
Uma menina assim, com o nível de
independência de Clementine, sabia exatamente o que estava fazendo. Ela
precisava entender o que essa noite representava. Ela iria para casa no sábado,
o que significava que tinha que ser essa noite ou na próxima.
A expectativa estava começando a
queimar.
– Então, o que traz você aqui,
Clementine?
– Hora de conhecer um ao outro? –
brincou ela, desejando que sua barriga não estivesse vibrando.
Ele se inclinou em direção a ela.
– Só se você quiser kisa.
Pelo olhar que ele lhe deu, ela teve
certeza de que estava corando. Tentando se recompor, decidiu disparar algumas
perguntas sobre ele.
– Então, você vem sempre aqui?
– Quando estou na cidade.
– Uma mulher diferente a cada vez?
– Sou conhecido por vir sozinho.
Serge percebeu a maneira como o dedo
indicador de Clementine parara de acariciar o copo e ela agora estava
agarrando-o. Qual era o problema? Mulheres diferentes? Será que ela precisa
saber se ele tinha o hábito de pegar as mulheres na rua?
Na verdade, aquela era a primeira vez,
mas ele não queria chamar atenção para isso, lembrá-la que tinham se conhecido
naquela tarde.
– Então, diga-me por que você está em
Petersburgo?
– Estou aqui pela Verado... A empresa
italiana de bens de luxo.
– Dã, eu os conheço.
– Eles estão promovendo sua loja no
Nevsky. Trabalho com relações públicas.
Serge se recostou, absorvendo seu
orgulho no trabalho. Relações públicas. Claro. O que mais uma garota como esta
faria se não seduzir e influenciar pessoas como ganha-pão?
– A inauguração é amanhã à noite. Em
seguida, voltarei para Londres.
Serge tinha perdido o interesse em seu
trabalho. Estava muito mais interessado nas diferentes luzes que ele conseguia
ver em seu cabelo... Douradas e vermelhas e marrons. Era natural? Provavelmente
não.
– Imagino que você seja muito boa em
relações públicas.
– Acho que sou. Gosto de pessoas.
Clementine notou que ele estava
prestando mais atenção na sua aparência do que no que ela falava. Isso a deixou
agitada.
Serge ficou tentado a comentar que o
buraco de pulgas que ela estava hospedada dizia mais sobre seu trabalho do que
palavras.
– O que mais você faz Clementine, além
de influenciar pessoas?
– Você realmente quer saber?
Havia algo na maneira como ela
perguntou, dobrando o queixo, mas com um toque de vulnerabilidade em seus
olhos. Ele não esperava isso.
– Sim, quero – disse, surpreendendo-se.
Ela lhe lançou um olhar curioso.
– Tudo o que faço é trabalhar.
– Você é uma mulher bonita. Nenhum
namorado sério?
Ela encontrou seus olhos candidamente.
– Não sairia com você se tivesse.
Serge se recostou na cadeira, revirando
os ombros como um grande homem russo preguiçoso.
Honestamente, pensou Clementine, o que era aquilo sobre homens e
concorrência?
Ele tomou um gole de conhaque, seus
olhos quentes sobre o rosto e os ombros nus dela.
– E você?
Ela jogou o cabelo para trás, dando-lhe
um sorriso eletrizante.
– Por que um cara rico e lindo ainda
está solteiro?
– Lindo? – Parecia estar se divertindo.
– Bom saber, kisa.
Ele não tinha respondido à pergunta. O
sorriso de Clementine desapareceu. Será que ele era casado ou tinha uma
namorada?
– Então, ninguém está esperando por
você em casa?
A pergunta soou tão canhestra que ela
poderia ter chutado si mesma.
– Não, ninguém.
Ele colocou o copo sobre a mesa.
– O que lhe deu a ideia de que eu era
casado? – perguntou subitamente tenso.
– Cuidado nunca é demais – disse ela
levemente.
Dã, ele poderia imaginar uma fila
interminável de caras dando em cima dela. Casados, solteiros... Gays. Qualquer
homem vivo.
Ele tinha uma aversão pessoal por
adultério. Não saía com mulheres casadas, nunca. Então por que diabos o assunto
o irritou tanto?
Era a ideia de um homem casado dando em
cima dela.
Qualquer homem.
Porque ele a queria. Para si mesmo.
Exclusivamente.
E por que diabos ele sentia que a
qualquer momento ela podia se levantar, desculpar-se e nunca mais voltar?
Clementine sabia que havia algo nela
que atraía caras como aquele. Bonitos, confiantes, que pensavam que poderiam
arrastá-la para a cama. E eles sempre tinham dinheiro. Luke mencionou que era a
sua personalidade, mas ele quis dizer sua confiança. Ela era uma mulher que
gostava de se vestir e flertar. Intimidava um monte de bons rapazes que estavam
com medo de se aproximar dela, ou que, como Serge, queriam saber por que ela
não estava em um relacionamento.
Ela estivera. Em dois curtos e insatisfatórios
relacionamentos com caras legais, mas que no final a tinham entediado. Ela
reconhecia agora que a haviam feito sentir-se menos como ela e mais como a
menina que ela imaginava que deveria ser. Clementine com as luzes apagadas.
Serge observava as emoções zunindo pelo
rosto expressivo de Clementine. Seus olhos cautelosos de repente o fizeram
sentir-se desconfortável com o plano grosseiro de um par de noites de diversão.
– Você ainda não me disse o que faz –
disse ela.
Ela realmente queria conhecê-lo e algo
apertou seu peito.
– Faço gestão desportiva – respondeu
ele, brevemente.
– É interessante?
– Às vezes.
O coração de Clementine afundou. Ele
não queria dar qualquer informação sobre si mesmo. Por um momento, ela foi
jogada de volta naquele turbilhão estranho de meses atrás, quando fora
perseguida por outro homem rico que tinha se esquivado de perguntas pessoais e
a sufocava em atenção romântica sem precedentes.
Depois de sua última separação, ela
voltara a sair casualmente, até Joe Carnegie. Ele tinha sido um cliente, o que
significava que estava fora dos limites pelo próprio código pessoal. Mas no
minuto em que o trabalho terminou ele estava ao telefone, rosas foram entregues
à sua porta. Ele a incentivou a aceitar seus “presentes”, fornecendo-lhe
vestidos espetaculares nos quais poderia exibi-la. Eles chegavam embalados
antes de cada encontro. Ele a havia preparado para um papel e ela aceitou.
Tinha sido tão ingênua.
Ele a bajulava levava para jantar e a
tratava como uma princesa. Ela se abriu para ele tão rapidamente, tão
facilmente. Até a noite em que a tinha levado a um restaurante, à noite em que
ele decidira que a relação devia ir além da porta do quarto e a presenteou com
uma propriedade. Ele havia comprado um apartamento para ela, um lugar onde ele
poderia visitá-la enquanto estivesse na cidade.
Alguns dias depois, ela lera no jornal
sobre seu noivado com uma estrela francesa, que também era filha de um grande
industrial. Uma mulher de seu próprio estrato social. Ele sempre a quis apenas
como amante.
A memória ainda queimava. Prometera a
si mesma que não deixaria isso estragar sua noite, mas já estava tentando
adivinhar as motivações de Serge. Ele fora um perfeito cavalheiro, mas Joe
Carnegie, também.
Ela olhou ao redor para a luz ambiente,
as risadas dos outros clientes e os cheiros maravilhosos da velha culinária
russa e percebeu que havia desembarcado em mais uma de suas estúpidas fantasias
românticas.
– Desculpe-me – disse ela abruptamente,
colocando-se de pé. Serge se levantou. – Toalete – murmurou incapaz de
olhar-lhe.
O espelho do banheiro refletiu sua
pálida maquiagem e amaldiçoou o uso do rímel, porque essas lágrimas salpicadas
em seus olhos deixariam rastros.
Ela não estava triste. Sentia-se
extremamente irritada. Consigo mesma.
Como diabos ela conseguia se colocar
naquelas situações? Será que tinha a palavra “otária” tatuada na testa?
Duas outras mulheres se juntaram a ela
nas torneiras, e Clementine enrolou ao lavar as mãos, verificando o cabelo.
Ela olhou para cima e reconheceu uma
das garotas como sua garçonete, uma das filhas de Kaminski.
– Serge Marinov – disse a menina. –
Sorte sua.
Sim, sorte minha. Clementine deu um puxão no vestido e sacudiu a cabeça. Estava
sendo uma idiota. Ela possuía um homem incrível esperando lá fora e estava se
escondendo no banheiro. Era hora de seguir com sua vida. Se Serge Marinov tinha
algum plano masculino estúpido... Bem, ela também tinha o seu.
Quando Clementine se aproximou da mesa
e ele a avistou, algo parecido com alívio tomou conta de seu rosto.
Bem, que surpresa, adivinha quem estava
no comando. Uma onda de confiança a encorajou.
– Saudades de mim? – ela não pôde
resistir à pergunta.
– A cada minuto, kisa.
– Ainda vamos comer?
– Café?
– Chá.
Quando o samovar veio, os ciganos já
tinham invadido o restaurante. Ficara impossível ser ouvido acima da música.
Clementine se encantou com a
performance. Quando o restaurante explodiu em palmas, ela se juntou,
cantarolando inconscientemente.
Quando os artistas deram a volta para
coletar moedas de ouro, ela se atrapalhou com a bolsa.
Ele estendeu o braço e colocou uma das
mãos sobre a dela, jogando um pouco de dinheiro para as saias da menina.
Clementine sacudiu um dedo para ele.
– Eu posso pagar Senhor Milionário.
– Você está comigo – respondeu ele,
como se aquilo dissesse tudo.
A princesa interior de Clementine
suspirou, mas a mulher capaz, independente e trabalhadora bateu em seu braço.
– Vamos lá, riquinho, vamos sair daqui
e eu compro um sorvete para você.
Houve uma agitação quando partiram. Clementine
causou uma impressão sobre os Kaminski, o que era bom, mas na próxima vez que
viesse ali sem ela haveria perguntas. Ela era desse tipo de garota.
Inferno, ele tinha suas próprias
perguntas. Nada saíra como planejado. Serge devia estar atravessando a cidade
até sua casa agora, depois de uma refeição trocando gracejos sexuais. Em vez
disso, passara a noite observando-a se divertir com exceção do momento bizarro
em que pensou que ela se levantaria e sairia do restaurante.
Mesmo agora, ele queria pegar na mão de
Clementine, mas ela mantinha uma distância clara entre seus corpos, segurava a
bolsa com as duas mãos, com aquela tradicional pose complementando o balanço em
sua caminhada.
Embora já passasse das 22h, ainda havia
luz. Estavam próximos das noites brancas de junho. Serge tirou a jaqueta
enquanto passeavam. A vontade de deslizar um braço ao redor dela era muito
forte, mas ele se conteve. De certo modo, isso se transformou em um encontro
real.
Um primeiro encontro.
Clementine olhou para Serge.
– Obrigada por me convidar. Tenho
apenas trabalhado ultimamente. É bom colocar um vestido e ser levada a algum
lugar divertido.
Bozhe, ela era tão sincera. E ele engolindo.
Isso provavelmente tornava Serge um fraco, mas havia algo que fez com que ele
acreditasse nela.
– Você é uma mulher muito fácil de
agradar, kisa –
disse ele, finalmente. – Mas a noite mal começou, não?
Clementine escondeu um sorriso.
– Talvez para você, mas estou cansada e
acordo cedo amanhã.
E aquilo simplesmente amarrava todas as
suas expectativas e as atirava no rio?
– Certo – disse... E tudo se encaixou.
Ela sabia que essa noite não terminaria
na cama, o que significava que a pequena encenação no carro foi para sua
própria diversão. Lembrou-se do brilho em seus olhos, o convite para rir junto
com ela.
O que significava que essa noite tinha
sido uma oportunidade perdida... Para ambos. Ela estava indo para casa no
sábado, deixando-o com uma decisão a tomar.
Será que ela valia à pena? Ou melhor,
será que deveria estar brincando com ela? Aquela boa menina? Toda doce e
sincera? E isso não o instigava na parte masculina tradicional russa que ele
habitualmente não mostrava? De onde ele tirou a ideia de que ela não precisaria
de sedução? Por que ela não deveria fazê-lo
se esforçar?
Instintos que Serge não tinha muita
familiaridade diziam que ele precisava lidar com isso delicadamente. Outro
instinto, mais familiar, lhe dizia para tomá-la nos braços e tirar todo
pensamento que ela pudesse ter sobre outros homens de sua cabeça... Pelo menos
até amanhã. Tinha que ser amanhã. Porque ela voltaria para Londres no sábado.
E se ele não a tivesse em seus braços
essa noite, ficaria louco.
Ele pegou a mão de Clementine, algo que
estava querendo fazer a noite toda. Ela se virou para ele com uma expressão de
expectativa, divertida. Serge se aproximou e levantou a outra mão para tirar um
de seus cachos de cabelo do rosto. O sorriso dela desapareceu, os olhos ficaram
um pouco mais redondos, e a boca se suavizou.
– Você está me matando, Clementine –
disse ele em russo e moveu-se para sanar sua angústia.
Nesse momento, ela fez um som suave de
consternação e, para sua surpresa, afastou-se.
– Eu ainda quero comprar sorvete –
disse ela sobre o ombro.
Sorvete. Não sexo. Nem mesmo um beijo.
Não essa noite. Ela começou a andar, balançando um pouco sobre os saltos, e ele
ficou ali, imóvel, contemplando-a.
Clementine lançou um olhar para trás.
– Você vem?
Ela estava indo para o caminho errado.
Os vendedores de sorvete ficavam na outra direção. Mas a sua pergunta se
dissolveu em um sorriso provocante, e sem pensar duas vezes ele foi atrás dela.